Tragédia anunciada

Hoje eu abro espaço aqui para algo muito sério: direito de locomoção. Ir e vir. Imaginem só uma cidade onde você fica ilhado em casa e praticamente não pode sair de lá. Pois essa cidade existe e é o Rio de Janeiro. Veremos o motivo:

Ônibus: velhos, sujos, mal conservados, sem nenhum compromisso com o horário, comandados por máfias. Isso se você der a sorte de não ser alvo da epidemia de baratas que inexplicavelmente atacam os veículos (detetização nos ônibus pra que, não é mesmo?) Duvidam: procurem no google sobre baratas nos ônibus do Rio e se deliciem com os casos. Ah, e por último e pior: insegurança. No ponto, enquanto você espera horas a fio pelo ônibus é muito comum a ação de assaltantes, afinal são as vítimas perfeitas: paradas, prestando atenção na rua e esperando horas a fio. E dentro dos coletivos é pior ainda. Além dos constantes assaltos você ainda pode ser agraciado com os “protestos” da “comunidade”, que educadamente colocam fogo em ônibus pq o coitadinho do bandido local foi morto em tiroteio. Isso pra mim só tem um nome: terrorismo.

Carro/moto: isso depende de dinheiro. E também tem seus riscos, bem grandes em algumas regiões. Fora os engarrafamentos, pardais (isso funciona muito bem), etc…

Vans: loteria. Tanto pode ser uma versão melhorada do ônibus como você pode pegar um animal dirigindo, que não dá a mínima para o cliente e muda o trajeto como bem entende. Isso considerando que o cara sabe dirigir… Não há fiscalização nenhuma. Fora que muitas delas tem ligação com bandidos, e eu não dou dinheiro para bandido.

Trem: verdade seja dita, melhorou muito nesses últimos anos. Mas continua ruim, pois faltam veículos, você se depara constantemente com pessoas pulando muro e andando na linha de trem, além de algumas linhas passarem em locais perigosos, dominados por traficantes.

A pé: opção considerável dependendo da hora, distância e local. Mas não dá para uma cidade grande. Isso considerando que você vai chegar a seu destino intacto.

Ah, mas sobra o metrô, único transporte com o mínimo de dignidade dessa cidade. Pois é, até esse conseguiram estragar. Hoje em dia está tão ruim que perde para ônibus e trem. E porque?

Tudo começou com uma constatação óbvia. A estação Estácio, que era a ligação entre as linhas 1 e 2, estava abarrotada. O trajeto dela até o centro da cidade (manhã) e do centro até ela era bem desconfortável. O sistema estava no limite.

Então como resolver:

1) Trens novos. A frota está muito defasada, depois de vários governos adiando a compra de novos carros. Afinal, não ia estourar a bomba na administração deles. Com isso o intervalo entre os trens cairia. Na minha modesta opinião, isso só já resolveria a situação, pelo menos por alguns anos.  Em uma época da minha vida pegava metrô na hora do rush e como passatempo contava no relógio o intervalo e o número de pessoas esperando os trens. 1 ou 2 minutos a menos fariam uma diferença imensa.

2) Terminar a linha 2. O projeto original previa a ida da linha 2 até a Carioca, no centro do Rio, passando pelo estácio e pela praça da Cruz Vermelha. O trecho que falta (Estácio-Carioca) é chamado de lote 29, e inclusive tem alguns trechos já escavados.

OK, mas tem um problema nisso. A mentalidade dos políticos. A solução 1 não trazia o impacto eleitoral de uma obra, além da demora para entrega dos trens, que só aconteceria depois das eleições. Na arena política fluminense, plantar algo que seu sucessor vai colher é impraticável, por mais que a população precise daquilo. A solução 2 também ia ser depois das eleições. Além disso o governo teria que gastar o tão prezado dinheiro dos impostos. E pra que, quando ele pode ser muito melhor “investido” em verba para publicidade (quase 100 milhões ao ano)?

Então veio a “brilhante” solução… favelização ferroviária. Fizeram um puxadinho da linha 2 para andar nos mesmos trilhos da linha 1 e ir de lá até Botafogo. O detalhe sórdido é que em parte do trajeto usa os trilhos que antes levavam os trens ao local de manutenção, dificultanto todo o trabalho de prevenção e conserto de danos. Deram o nome “linha 1A”, carinhosamente apelidada de  linha 1 Aberração. E pq? Porque o governo não precisou gastar um centavo. Prorrogou a concessão da empresa privada por 20 anos e em troca disso eles mesmos fariam as obras.

E porque isso é tão ruim? Além de dificultar a conservação dos carros acabou ligando 2 linhas antes independentes. Se algo interrompe o tráfego em uma delas a outra também pára. Impede que o intervalo entre os trens caia para menos de 3 minutos no futuro, mesmo com a compra de novos trens. Com o crescimento da cidade, cedo ou tarde os metrôs VÃO precisar de um intervalo de menos de 3 minutos.

E a imprensa? Engoliu tudo, pois é pró-governo do estado. Quase não se via uma crítica, e todas as reportagens sobre a linha 1A simplesmente repetiam a propaganda oficial do governo. Foi uma vergonha para os jornalistas dessa cidade que a mídia não tenha dado espaço as críticas de especialistas, como o engenheiro Fernando Mac Dowell. Aliás, só para constar, a grande maioria dos especialistas em transporte não aprovam esse projeto.

Disso eu já sabia antes da inauguração. Mas a realidade consegue ser pior, muito pior. A empresinha que ganhou 20 anos a mais de concessão, além das práticas absurdas que já tomava, como a validade dos bilhetes em 2 dias, enfiou os pés pelas mãos e criou uma desorganização nunca vista antes. Foram erros infantis, como inaugurar tudo em um dia de grande movimento, em vez de fazer vários testes em horários menos apertados. E o pior: é mal sinalizado, o que cria riscos de acidentes. Além dos problemas já esperados ela criou outros pela sua ineficiência.

Falta de conservação dos trens, pressão para diminuir os intervalos, má sinalização, falta de treinamento. Por tudo isso eu cada vez tenho mais certeza que é questão de tempo até um acidente fatal acontecer. Isso quase aconteceu na inauguração do sistema, onde várias pessoas passaram mal. Desde lá as coisas só pioraram. Há pouco tempo trás um vagão se soltou do resto da composição, o que só tinha acontecido uma vez em todos os anos de operação. É por isso que eu também evito ao máximo pegar metrô.

Tem até quem aproveite pra fazer piada da situação, como nesse cartaz colado por alguém no vidro da composição.

Enfim, o jeito é ficar em casa mesmo.

http://www.rioquepassou.com.br/2009/06/29/linha-1-a-do-metro-o-engodo-e-a-destruicao-do-sistema/

By Shaoran